data-filename="retriever" style="width: 100%;">Comecei a trabalhar com comunidades pobres quando tinha 14 anos, em Pelotas, por meio de movimentos de caridade e assistenciais da Igreja Católica, como campanhas do agasalho e Dia da Criança, entre outros. Em Santa Maria, já mais madura, meu trabalho prosseguiu, mas enfrentando novos desafios como a desinformação e o preconceito. Vivíamos o início da epidemia de Aids, tudo era novo, assim como as dificuldades. De lá para cá se foram mais de 30 anos de trabalho e estudo. Eu me formei enfermeira, passei em vários concursos públicos - optei em ser policial militar do quadro de oficiais da saúde da Brigada Militar - e assisti ao Brasil mudar e crescer com muitas dificuldades, principalmente impostas pelos nossos governantes - lembrando que escolhidos pela maioria de nós. Essas adversidades têm origem no roubo e na falta de comprometimento e respeito pela coisa pública, assim como o descuido com os mais desfavorecidos e vulneráveis socialmente. E, aqui, incluo a vulnerabilidade de muitas mulheres.
A violência contra a mulher é um fenômeno complexo e envolve muitos fatores e crenças. Nos últimos 15 anos, tivemos importantes avanços, como a Lei Maria da Penha, em 2006, a mudança na lei de estupro, em 2009, a lei do feminicídio, em 2015, e a mais recente lei de importunação sexual, de 2018. Porém, os números são preocupantes. De acordo com o 13º Anuário de Segurança Pública, fruto do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 66 mil casos de violência sexual em 2018 e cerca de 180 estupros diários no Brasil. Desse levantamento estarrecedor, observa-se que 54% ocorrem em crianças com até 13 anos. Esses dados mostram a necessidade de políticas públicas que auxiliem a mudança dessa realidade. Os números crescem sim, talvez porque antes não eram notificados.
Os números crescem sim, talvez porque as mulheres não se posicionavam frente à violência ou talvez porque as políticas públicas melhoraram e, dia a dia, protegem mais os vulneráveis. Sim, mulheres vítimas de violência são vulneráveis e temos de protegê-las dessa situação, e a notificação da violência é um entre tantos importantes meios de proteção. Frente a essa realidade, causa-me estranheza o veto do presidente Bolsonaro à obrigatoriedade de notificação de indícios de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. Isso precisa ser revisto. Desde a década de 1970, a notificação de situações de violência é compulsória para todos os profissionais e responsáveis por serviços públicos e privados de saúde.
Acredito que a reconstrução do país passe também por melhorias nos índices de violência. E não combatemos violência sem políticas públicas que, entre outras coisas, protejam os vulneráveis. O veto do presidente precisa ser derrubado. E o que não nos falta são números e motivos como justificativa. A violência contra a mulher é um grave problema de saúde pública, que ocorre em todas as classes sociais. Estima- -se que aproximadamente uma em cada três mulheres (35%) em todo o mundo sofreu violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida. Globalmente, 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos por um parceiro masculino, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS).
O Brasil precisa manter, construir e reforçar a rede de cuidados e proteção prioritariamente para crianças e mulheres. E isso não é uma posição ideológica, mas um discurso de quem vê possibilidades e esperança neste país e olha a história de outros que se reconstruíram priorizando políticas públicas para essas populações. O combate a violência contra a mulher é uma das políticas fundamentais para construção de um país democrático, livre, justo e forte.